quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Se fosse agora tinha-lhe dado os trinta cêntimos
Sandra Bullock
- Eu só preciso de trinta cêntimos, minha senhora. - dizia-me ele. Usava um fato velho e sujo e uma gravata gasta e amarrotada. Logo aí reparei que era um arrumador especial. Mas se eu tinha deixado quase dois euros no parquímetro, é óbvio que não lhe iria dar nenhum centavo, até porque ele nem estava no sítio onde eu tinha estacionado. Apareceu do nada. Disse-lhe que já tinha pago o parque e esquivei-me, enquanto ele me perseguia a falar alto, como se estivesse a ralhar comigo e a rogar-me pragas, como é costume deles quando nós não lhes damos nada. Mas não, na realidade estava a recitar o "Mar português" do Fernando Pessoa. Vinha atrás de mim aos gritos - Valeu a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena, Quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu.... - Estou mais arrependida de não lhe ter dado o dinheiro.
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24 comentários:
Oh coitado... Eu normalmente esquivo-me sempre e digo que dou depois quando voltar. Assim, ás vezes eles já não estão lá e acabo por não dar. Mas neste caso se calhar também ficava com pena.
Mas deixa lá...há muita gente que não precisa a fazer isso, dá muito dinheiro!
Kiss
E o que levará um homem que recita Fernando Pessoa a tal vida? A demência, a loucura? Que revezes da vida o terão levado a estar ali, a pedir 30centimos com um comportamento alienado?
Perturbam-me os mendigos, e talvez por isso também em esquivo... cobardia? talvez...
Compreendo-te...e quando essas coisas ficam a martelar na cabeça dias depois? :(
Um carocho, mas culto!! Não se encontram muitos por aí... Os trinta cêntimos se calhar até teriam sido bem empregues...
:)
Fico com o coração em pedaços quando vejo uma pessoa assim, possivelmente culta, que sabe-se lá o que a atirou para as ruas!!
beijocas
Não lhe deste nada e ele recitou Pessoa, imagina se lhe tivesses dado alguma coisa... ás tantas ainda despia o fato velho...
wow! arranjaste um arrumador mesmo especial!
eu tinha voltado atrás e dado dois euros. mas isso sou eu que não posso ver ninguém a pedir dinheiro na rua que me dói cá dentro :(
Não é mesmo normal..
Estranho.. realmente! Original o homem
Ouvir Pessoa vale mais de 30 cêntimos, realmente.
Às vezes as pessoas são mesmo surpreendentes.
Querida Kitty Fane,
era só para lhe dizer que lhe ocorreu uma gralha (daquelas de distracção que acontecem a qualquer um)...pois de certeza que se referia a uma gravata no seu post.
By the way, o blog está de parabéns!
aii nao sei! eu passo-me sempre q ha arrumadores em sitios com parquimetro, ele ate podia fazer o pino, que eu so dava a moedinha para nao me riscar o carro...
Da proxima ficas mais sensibilizada e lá vai uma moedita!
Infelizes e nós temos tanta sorte, não é?
Não gosto de arrumadores mas a recitar Pessoa não acontece todos os dias!!!
gostei mesmo deste texto ;)
De quando em vez salta cá para fora esse teu lado mais humano, mais sensível. E digo-te que é muito bonito de se ver. :)
Claudia
A esquizofrenia faz vítimas assim: pessoas inteligentes que não aceitam a doença, não se medicam, não conseguem trabalhar e, com os anos, sem familiares que deles cuidem... ficam entregues à mendicidade. Foi, provavelmente, com um caso desses que te cruzaste. Muito triste.
Arrumadores desses sim, fazem a diferença! Ou como uns de uma zona aqui perto, que são tão amorosos que se algum ladrãozinho meia-leca se tenta meter contigo, eles saltam-lhe todos em cima!
Não digo que ache piada a dar sempre a moedinha... mas vá lá que alguns até merecem! lool
Um arrumador a recitar Fernando Pessoa...Será mais uma vítima do quase desaparecimento da classe média? Aquela que deixou de existir para pertencer à pobre.
Mais uma vítima da crise...ou se calhar sou eu a fazer filmes
Ui Kitty com esta é que me despedaças-te o coração.
Então não me digas que não tinhas 30 cêntimos para dar a um Poeta de rua e que ainda por cima te citou Fernando Pessoa?
Estou mesmo desiludido Kitty, isso não se faz.
Mas para pagar essa promessa por ti te cito de graça:
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Liberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa
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Estão os 30 cêntimos pagos.
Obrigado Kitty.
Beijinhos..
Olha, então devias ter ido ver "O Solista" ao cinema como eu fui ontem. A história acaba por se enquadrar na perfeição neste episódio e no fim sais de lá a pensar na vidinha... Aconselho-te a ires ver, acho que vais gostar. É uma história verídica e arrepia! Beijos!
Só pela beleza do texto, valia o dinheiro. :')
Bolas...
(tenho uma colega que anda sempre com um pacote de bolachas no carro.Quando lhe pedem a moedinha...dá bolachas.Ahahah...parto-me a rir.)
Oh!
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