quarta-feira, 19 de maio de 2010

O meu irmão mais velho



O meu irmão mais velho, que tem quase idade para ser meu pai, é a pessoa mais casmurra que eu conheço. Casmurro. Resmungão. Muito mau feitio. Está sempre a resmungar com alguma coisa. Sobretudo com o governo. Nunca vi ninguém que falasse tanto mal do governo como o meu irmão mais velho.

Entramos imensas vezes em conflito, discutimos política, tendo eu sempre que ouvir um "deixa-o agora, tu já sabes como ele é" da minha mãe. Mas a verdade é que daí a bocado já não é nada connosco. Eu gosto imenso dele. Ele é mesmo assim. Não faz fretes. Não faz nada por agradar a ninguém. Mas a verdade é que acaba sempre por agradar. Muito.

Eu acho que este mau feitio também foi agravado pela vida que teve. Mas ai de alguém que diga que ele é um coitadinho. Passa a vida a dizer à minha mãe para jamais em tempo algum se queixar dos problemas dele aos outros. Mas a verdade é que desde cedo teve inúmeros problemas de saúde. Muitos. Já perdi a conta das vezes que ele esteve à morte. E, como se isso fosse pouco, passou pela maior dor de todas as dores - perdeu um filho num atropelamento brutal.

Em Setembro, quando pensávamos que ele estava tão bem, apareceu-lhe outro problema. Um daqueles mesmo maus. Já só lhe faltava mesmo aquilo para poder dizer que teve direito a tudo o que de mau havia para ter. Quando soubemos, pensámos imediatamente que a coisa não ia ser fácil, nada fácil. Aliás, que iria ser muito complicada. Foram longos meses de tratamentos agressivos e o meu irmão mais velho, inacreditavelmente, andava sempre bem disposto, como se nada fosse com ele. Claro que houve dias menos bons, mas a verdade é que ele continuava a ser o mesmo. Sempre bem disposto e sempre a dizer mal do governo e do nosso país e da corrupção e de tudo e tudo. Qualquer pessoa saudável ia abaixo com tudo aquilo, mas o meu irmão mais velho, com todas as suas mazelas, aguentou-se firme. Sempre a fazer a sua vida normal. Foi nessa altura que eu comecei a pensar que ele tinha super poderes.

Passados estes meses todos, vimos uma luzinha - a cirurgia. Uma cirurgia daquelas bem difíceis, muito arriscada, com possíveis complicações, agravadas sobretudo pelo seu historial clínico, mas uma cirurgia. Uma possível solução para o seu problema.

Essa cirurgia é amanhã. E eu estou para aqui com o coração nas mãos, pedindo a todos os santos e anjos e sei lá mais a quem, que corra tudo bem. Ele merece. Ele faz muita falta. Como filho. Como pai. Como marido. Como irmão. Como amigo. Faz falta a toda a gente. E eu preciso de alguém para discutir política nos almoços e jantares de família.